Morreu hoje o poeta mato-grossense Manoel de Barros, anos 97 anos, por falência de múltiplos órgãos após um a cirurgia de desobstrução do intestino.
Nascido em 1916 em Cuiabá, Manoel de Barros escreveu 18 livros de poesia, além de obras infantis e relatos autobiográficos. Recebeu inúmeros prêmios literários, dentre eles dois Jabutis, o primeiro em 1989, com O Guardador de Águas, e o segundo em 2002, com O Fazedor do Amanhã.
Cronologicamente vinculado à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, Manoel de Barros criou um universo próprio — subvertendo a sintaxe e criando construções que não respeitam as normas da língua padrão —, marcado, sobretudo, por neologismos e sinestesias, sendo, inclusive, comparado a Guimarães Rosa.
Em 1986, o poeta Carlos Drummond de Andrade declarou que Manoel de Barros era o maior poeta brasileiro vivo. Antonio Houaiss, um dos mais importantes filólogos e críticos brasileiros escreveu: “A poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor”.
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras.
Fatigadas de informar.
Não gosto das palavras.
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.